sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A violência que não ousa dizer o nome (por Wigvan Pereira)



Ontem eu soube da morte de um menino. Como eu já soube da morte de muitos outros meninos e muitas outras meninas. Mas esse me doeu de uma forma particular porque esse menino tinha um rosto que eu conhecia. Não vou dizer das suas qualidades, dos seus sonhos, da forma carinhosa como ele se relacionava ou da tristeza dos seus mais queridos, pois o que importa, antes de qualquer coisa, é que ele foi uma vida esmagada pela violência. A essa violência, sim, me interessa chamar pelo nome e dizer dos seus pormenores. Embora tenhamos acesso a estatísticas, reportagens e relatos de vítimas, nós ainda não a tratamos com a seriedade devida.
Recorremos ao clichê de que todo mundo sofre, todo mundo é igualmente sujeito à violência e defendemos com isso que ela não precisa ter um nome próprio. A consequência imediata: não a combatemos em seu fundamento e novos relatos aparecem, com outros rostos e outros nomes.
Acabamos mesmo por nos anestesiarmos diante das imagens do terrível. Chegamos ao cúmulo de compartilhar imagem de corpos, com detalhes quase pornográficos, ignorando o efeito dessas imagens sobre as sensibilidades das pessoas que se relacionavam com aquele corpo quando ele estava vivo.
A violência perpetrada contra uma pessoa motivada apenas pelo fato de que ela assume uma sexualidade diferente da norma ou por se supor essa sexualidade pela não correspondência aos padrões de feminino e masculino, tem um nome que não pode ser ignorado: homofobia.
Aquela piada que ridiculariza gays, aquele programa de humor, aquele discurso religioso, aquela música, essas frases bem intencionadas que seguem a estrutura "não sou homofóbico, mas...", a regulação do comportamento alheio justificada que "aqui não é o lugar de se falar sobre isso": todas essas coisas são homofobia e é preciso combater cada uma delas.
Não há inocência, ignorância ou boa intenção suficientes que atenuem o fato de que, por esses discursos, pessoas se sentem agredidas, silenciadas e impedidas de expressarem suas singularidades.
Não combater esses discursos é conivência com todos esses crimes que acontecem todos os dias e que nós nos recusamos a chamar pelo nome.
Pois, se a violência verbal já não agredisse o bastante (e tanto agride que as taxas de suicídio ou tentativas de suicídio de gays são altíssimas), todas essas "brincadeiras" e "opiniões" ainda estimulam que a resistência passiva que algumas pessoas, por ignorância ou por meio social, ainda sentem se transforme em agressão física e, em alguns casos, em assassinato.
Quando se fala da necessidade de se combater a intolerância, não queremos dizer que você precisa aceitar quem é gay no seu convívio pessoal, levar à sua casa para tomar um café, também não queremos que você assista a um sexo gay, que participe dele ou que o imagine. Não significa que vamos bater à sua porta pregando sua conversão ou a dos seus filhos à homossexualidade, até porque essa atitude colonizadora que não respeita nem a infância não é uma prática de grupos de militância e sim de grupos que nós sabemos bem quais são.
Quando se fala da necessidade de trazer para a política uma pauta que contemple demandas LGBTT, não estamos querendo privilégios. Reivindicar uma pauta LGBTT é reconhecer que há uma violência específica que impõe a necessidade de agir contra ela de forma, também, específica. Dizer que não há diferença entre as violências e opressões sofridas (veja bem, não disse hierarquia!), é uma forma de indiferença.
Quando gritamos por direitos ou quando resistimos de forma silenciosa, estamos pedindo que vocês nos ajudem a construir uma realidade em que sair de casa e demonstrar afeto não sejam para nós risco de morte