quarta-feira, 25 de julho de 2012

Uma piada é só uma piada, será mesmo? (por Otavio Zini)


“Uma piada é só uma piada e não deveria ser vista como algo tão danoso”. Com frases como estas tivemos o avanço do nazismo e outros movimentos discriminatórios, quando em 1989 após muita luta conseguimos a aprovação da lei anti-racismo, diversos setores da sociedade afirmavam que esta lei era inconstitucional pois violava o direito à livre expressão, já que piadas poderiam ser consideradas como racistas e estas deveriam ser consideradas apenas piadas “inocentes”, hoje, mais de 20 anos se passaram o direito a livre expressão não foi tolhido, o humor continua, apenas o humor em relação aos negros tornou-se mais inteligente e menos agressivo.
Hoje vem à baila o humor sobre os homossexuais e voltamos às mesmas justificativas, que é apenas humor, seria interessante quando vemos uma piada com homossexuais, que tenhamos o bom senso de trocar os papeis e ver o que acharíamos caso no lugar fosse colocado o negro ou o religioso ou qualquer outro grupo protegido pela lei anti-racismo, será que esta continuaria a ser vista como não preconceituosa?
Com o advento da Lei antirracismo passou-se a requerer uma maior visibilidade do negro na mídia e em outras posições, o que acarretou que este passasse a ser visto como alguém igual e não diferente, sei que isso atualmente pode soar como “forçação de barra”, mas para quem viveu essa luta sabe bem que o negro não era visto como uma pessoa comum, da mesma forma que os homossexuais (LGBTT) não são vistos como comum ou naturais hoje em dia, as pessoas não gostavam de estar com negros pois estes poderiam influenciar principalmente suas crianças, o casamento “inter-racial” já foi até proibido, sendo uma das alegações para sua proibição de como uma criança iria crescer tendo pais de “raças” (não falo em etnias pois na época era falado raça) diferentes, afirmavam que estas crianças cresceriam com traumas pois como os colegar encarariam elas e seus pais, interessante perceber que este mesmo argumento é usado hoje para adoção de crianças por casais homo afetivos.
Na época capeavam piadas ou ditos tais como “eu não sou preconceituoso com o negro mas eles estão querendo direitos demais” ou “eu não tenho nada contra negros mas daí a eles quererem casar com brancos já é um absurdo”.
Fico a imaginar se os negros ao invés de lutarem por seus direitos ficassem a esperar como muitos queriam sob a alegação de que a sociedade muda com o tempo, basta esperar. Será que realmente muda sem ações afirmativas? Será que em verdade os grupos dominantes não querem apenas nos convencer que muda apenas para manter sua dominação?
Outra pergunta surge, quais seriam os principais lugares para ações afirmativas? Uma das respostas mais óbvias é: na escola, mas como promover essa ação na escola? Capacitando professores, informando os alunos, demonstrando que não há nada de errado, ou feio, ou imoral ou mesmo antinatural na diversidade sexual, sei que para alguns podem dizer mas isso vai fazer com que nossas crianças se tornem homossexuais, interessante salientar que estes mesmos que afirmam estes absurdos são os que colocam a homossexualidade como antinatural, e se isso fosse verdade, não seria mais fácil a influência para a naturalidade? Os exemplos dessa normativa heterossexual não estão em todos os lugares? Porque eles não influenciam também? Seguindo este pensamento deveríamos imaginar que a visualização de crimes por nossas crianças ou o debate destes nas escolas iria influenciar nossas crianças a serem criminosas, a terem comportamento psicótico e não é isso que se observa.
Hoje por questões de tabu com o corpo e com o sexo promovemos uma alta taxa de egodistonia (quando os aspetos do pensamento, os impulsos, atitudes, comportamentos e sentimentos contrariam e perturbam a própria pessoa, como por exemplo num caso em que a pessoa é homossexual mas discorda desta sua característica, principalmente por pressão social) entre nossos jovens, que não expressam livremente sua sexualidade nem tem uma relação saudável com seus corpos, o efeito destes tabus sobre os corpos e mentes é tão danoso e imperceptível em primeiro momento e estão tão arraigados em nós que os perpetuamos sem nem saber o porque apenas por ato condicionado, por exemplo o que difere um homem sem camisa de uma mulher sem camisa? Salvo nosso tabu, mais nada, apesar disso vemos como feio ou “imoral” uma mulher com os mamilos a mostra enquanto achamos normal um homem com estes mesmos mamilos a mostra.
Alguns falam muito sobre a tão odiosa "promiscuidade", mas o que é essa promiscuidade? se é você ter domínio do seu próprio corpo, de sua própria sexualidade, ter domínio das expressões do seu corpo e não se dobrar sobre uma moral religiosa que só diz respeito a quem é religioso, se é amar apenas tendo como limites os aceitos por si próprio e por seu ou seus parceir@s eu desejo a todos muita promiscuidade.
O amor não me choca, o sexo muito menos, o que me choca e me revolta é a violência e a falta de amor e carinho e não falo apenas do amor e do carinho romântico mas o do esculachado que nos esquenta a coluna vertebral, nos faz suspirar, os nossos corpos são belos sempre independente de qualquer coisa, eles sempre tem sua beleza mas por tabus temos medo e impomos limites a visualização de nossos corpos, deixemos de hipocrisia, achar que um corpo desnudo é imoral é no mínimo uma idiossincrasia dos hipócritas.
Precisamos repensar os tabus sobre nossos corpos, sobre nossa sexualidade mas principalmente precisamos repensar nosso discurso para não reproduzirmos voluntária ou involuntariamente a discriminação camuflada sob a égide do humor.

5 comentários:

  1. Texto bonito, exato, chega a ser didático. Essas situações do falado "humor" têm sido constantes, ontem mesmo tive uma briga feia com uma menina defendia como "humor" a forma como o cantor de rap que vem ao Brasil, o Eminen , nos ataca constantemente com suas letras machistas e homofóbicas. E, se você não gosta é ainda chamado de "mal humorado". As pessoas não percebem que humor pode ser inteligente e que os grandes e verdadeiros humoristas nunca fizeram uma única piada preconceituosa. Tendo a pensar que "artistas" que apelam ao preconceito sofrem mesmo é de falta de talento e criatividade, precisam de bodes expiatórios para as suas "engraçadices" que beiram às sandices. O John Rhayllander também escreveu sobre uma situação dessas, onde gays são motivos de piadas e ainda foi advertido por que reagiu, teria que aguentar calado... A Linguagem, eu sempre repito isso, é a maior difusora dos preconceitos, é pela Linguagem que os ódios começam e são disseminados, "Liberdade de Expressão é também não gostarmos, reagirmos e exigirmos a construção de um mundo melhor e mais justo. Parabéns pelo urgente texto, Zini! Vou compartilhar no meu Face!
    Beijos,
    Ricardo Aguieiras
    aguieiras2002@yahoo.com.br

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    1. O maravilhoso texto do John Rhayllander e a absurda crítica que um imbecil faz a ele foi que me motivaram a escrever esse texto. Querido Ricardo, te adoro demais, e muito abrigado por suas palavras

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Parabéns, Zini!

    Sejamos nós os donos dos nossos corpos, quebremos os tabus por nós mesmos!

    Adorei seu texto!

    Beijão do Tatá

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